Revejo uma jovenzinha a transpor a porta da igreja, pelo braço do pai, sorriso nervoso, o coração a transbordar de amor, e uma vontade imensa de que todos testemunhem a felicidade que sente. No altar aguarda-a outro jovem, cheio de confiança de que a partir daquele dia, juntos, concretizarão tudo o que idealizaram nos dois anos de namoro.
Dúvidas? Nenhumas! Certezas? Todas, já que a inocência própria da juventude (digo eu agora), fazia com que nem por um segundo duvidassem das suas capacidades, ou não estivéssemos, para além de tudo, a viver o tempo de uma revolução, que nos fazia especiais, nos fazia querer cortar com amarras, com tradições e com quase tudo o que até ali era feito sem quaisquer objeções.
Contestar era a palavra-chave. Lembro-me do olhar da minha querida mãe no dia em que lhe disse que não queria levar o tradicional bouquet de noiva. "Mas filha, porquê isso? Nunca vi semelhante". Porquê? Simplesmente porque não quero. E não houve quem me demovesse. Não foi tarefa fácil a substituição, mas uma malinha de cerimónia trazida por uma familiar vinda dos EUA foi a salvação...
Hoje, ao relembrar este e outros episódios, sorrio com a condescendência própria dos meus atuais 63 anos. Naquela altura o que eu queria era simplesmente ser "do contra", fosse do que quer que fosse. Esta fixação, aliada a tantas outras, fizeram com que os preparativos do meu casamento tivessem sido um martírio, especialmente para a minha mãe. E confesso que não me lembrei de contestar a cerimónia religiosa, porque isso teria sido muito mais sério para toda a família. No entanto, esta recordação, fez-me lembrar que o padre que nos casou, passado pouco tempo, abdicou do sacerdócio e tornou-se activista de esquerda. O que terá ele pensado enquanto nos casava? Não sei, mas lembro-me que achava "o máximo" tudo o que dizia e quanto mais chocante mais aplausos merecia, pois era isso que a liberdade nos permitia.
Hoje, passados 46 anos desde esse dia, as minhas certezas foram dando lugar cada vez mais a dúvidas e, na verdade, se assim não fosse, era sinal de que não tinha crescido, não tinha aprendido nada com a vida em comum e, tal como foi acontecendo com o país após a revolução, a nossa vida foi uma constante de momentos felizes e outros nem tanto, de certezas confirmadas e outras completamente derrotadas. Entre umas e outras quais as dominantes? Não me interessa resolver essa operação matemática, já que, ao dia de hoje, não há qualquer decisão importante a tomar, para além da de nos respeitamos um ao outro e mostrarmos diariamente que a vida é uma aprendizagem constante que vale a pena ser vivida a dois.
Ana Toste
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