Algures em Novembro de 1990
Sentada num banco da avenida, a velhinha abria com custo aqueles olhos já semicerrados, já cansados de tantas anos a olhar. Olhou durante toda a sua vida e nada viu. Passaram-lhe diante dos olhos, por vezes, coisas que a deixavam deslumbrada, mas só durante uma curta passagem. Depois, depois terminava... Agora, ali no banco, sentadinha ao sol, olhava, olhava...
"Que faz aí sentada, velhinha abandonada?" perguntou-lhe alguém. Sem olhar, ela respondeu:
"Asso no aço do meu fogareiro, lembranças assadas e já ressequidas, meu senhor."
Ao responder, olhou-o e reconheceu-o.
Foi há tantos anos, ainda as lembranças não eram lembranças. Foi na juventude. Cruzaram-se. Ah! que anos loucos. Depois ele desapareceu, seguiu o seu rumo e ela seguiu o dela. Tantas coisas aconteceram entretanto. E agora estavam ali os dois, velhos, sem nada mais poderem fazer a não ser recordar...
Isto não passou de imaginação da velhinha. Ele não passou, nada lhe perguntou...
Ela fazia o balanço (e para isso não precisava de olhar, bastava pensar) da sua vida. Dava tudo para voltar atrás, muito atrás, terrivelmente atrás, aos seus mais ou menos quinze anos... Faria tudo igual e aproveitaria ainda mais. Tentaria agarrar o que não agarrou. Tentaria conservar o que por vezes lhe passou rente às mãos. Tinha bastado estender mais um pouco a mão e agarrar e depois saber conservar. Ela não soube, nunca soube, e a vida foi tão longa. Será que agora, velhinha, sentada num banco da avenida, onde o espaço é enorme, ela vai poder estender muito o braço e agarrar alguma coisa que ainda lhe possa valer para o tempo que falta para o fim da sua vida? Coragem? Ela tem, embora muito fraquinha já. Haverá um braço forte que se estenda em direção ao seu? Haverá? Haverá?
Agora imaginem como estará a velhinha, dado que já estamos em 2021 e ela andava pelos bancos da avenida em 1990. Apesar de todos os seus desencantos, ela ainda respira, ainda passeia pela avenida da vida! E ainda bem!
E.S.
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