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INTERRUPÇÃO NÃO PROGRAMADA

UMA VIAGEM DE COMBOIO

 


Adoro viajar de comboio, sendo o meu transporte preferencial sempre que preciso deslocar-me  à zona sul do país.

Fiz recentemente uma viagem Porto-Algarve-Porto, no Alfa Pendular, que possivelmente por ter a duração de cerca de 6 horas em cada sentido, me permitiu alguma análise.

O meu maior foco de atenção foi o comportamento dos utentes, completamente heterogéneos, de estados etários igualmente heterogéneos, embora com uma maior incidência nas camadas mais jovens, visivelmente estudantes.

Curiosamente, o silêncio dominava a carruagem, apenas interrompido por um ou outro toque de telemóvel, pela assistente de bordo a passar com o carrinho das bebidas e snacks ou pelo revisor.

A maioria dos jovens ouvia música nos seus phones, alguns estudavam nos computadores portáteis e outros simplesmente aproveitavam para pôr o sono em dia.

A partir de Coimbra a carruagem levava os lugares completamente ocupados, respirando-se ar de alunos universitários em fim-de-semana, e assim fomos até Lisboa onde quase metade dos jovens deixou o comboio. 

Fui sozinha no meu lugar o resto da viagem, mas atrás de mim ia uma senhora tagarela, que resmungou com o marido quase até metade do caminho, fazendo soar a sua voz por toda a carruagem em silêncio. 

Sendo já final da tarde, o pôr do sol viu- se através da estrutura da Ponte 25 de Abril e devo dizer que me impressionou bastante esta travessia pois a sensação é de estarmos completamente suspensos em cima do Tejo! Verdadeiramente arrepiante, mas simultaneamente de uma beleza imensa e no fim da ponte somos premiados pela imponente estátua do Cristo-Rei de Almada, como se nos quisesse dizer: Eu estou aqui para vos proteger!!

Foi exatamente nesta altura da viagem, mas já no regresso ao Porto, que se passou uma situação que considerei tanto curiosa como ternurenta: novamente e por ser Domingo, a carruagem vinha cheia de estudantes e ao meu lado vinha um jovem médico pediatra (conclusão tirada pelas suas conversas telefónicas), que no momento em que, sendo já noite, entramos na ponte de ferro no sentido de Lisboa tira do bolso um rosário e percorre as suas contas até ao final da travessia; o jovem rezou em silêncio, mas notava-se o seu nervosismo a cada centímetro que o comboio percorria, até que o percurso termina e o jovem abre os olhos, guarda o rosário novamente no bolso e olha para mim com um sorriso no rosto ao que eu respondo: já passou...

Continuando a sorrir diz-me: faço este caminho todas as semanas, mas nunca deixo de estar nervoso. Retorqui: é arrepiante de dia, mas de noite é bem pior...; e o jovem já a começar a recolher os seus bens para sair do comboio na estação do Oriente diz-me simplesmente: mesmo! E foi embora.

Durante o resto da minha viagem até ao Porto, a imagem deste jovem agarrado ao seu rosário acompanhou-me todo o caminho. 

Tentava equacionar quantos mais utentes daquele comboio teriam tido o mesmo gesto, ou não.

Pouco antes da chegada ao meu destino, só me ocorreu um pensamento: isto é o mistério da fé, não se deve questionar nem discutir, mas única e simplesmente respeitar!!!

Cristina Pestana


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