Tinha decidido que hoje escreveria de novo sobre a minha viagem ao Japão, e que vos contaria algumas peripécias dignas de registo humorístico, daquelas que sempre me acontecem e me divertem ao ponto de querer partilhar com outros, e porque me faz feliz. Faz-me feliz fazer aparecer um sorriso no rosto de quem lê os meus textos, um sorriso que muitas vezes anda escondido e tarda em aparecer. No entanto, nem sempre isso é possível, e hoje não pode ser assim. Hoje tenho de partilhar convosco a minha tristeza, a minha revolta, a minha frustração. Desculpem-me mas terá de ser assim.
Logo pela manhã, como habitualmente, abri o rádio para me atualizar acerca do que se passa no nosso país e para além dele, e o que fui ouvindo fez-me decidir que não concluiria o meu texto nos termos em que tinha pensado. Não tinha esse direito perante o que estava a ouvir. Se o fizesse era como se também estivesse a assobiar para o lado perante o horror que me descreviam. Apesar de ser uma peça insignificante nesta engrenagem que é o mundo em que vivemos, tinha de me juntar ao coro dos que gritam e se insurgem contra tudo o que acontece diariamente, e que vai contra todos, mas mesmo todos os valores com que tenho vivido desde sempre e que tanto me esforço por cumprir.
Há dias e até semanas em que, para me proteger emocionalmente, procuro distanciar-me do que ouço. Mas hoje não consegui. Hoje, pela minha cabeça passaram pensamentos terríveis ao ouvir afirmações que me deixaram perplexa e num turbilhão de emoções, daqueles que procuro evitar a todo o custo.
Novo conflito desencadeado por Israel contra o Irão. Bombas de um lado para o outro. Milhões gastos em material bélico, enquanto mães, em Gaza, não dormem a pensar no que darão para comer aos filhos pequeninos na amanhã seguinte e que será nada. Mães que choram os que morreram vítimas de uma dessas bombas. Mas, por mais duro que seja, essas já não têm de encarar os seus olhinhos a dizerem que têm fome, essas já só têm ódio e tristeza no coração. Essas já não têm nada, secaram por dentro e provavelmente vagueiam por entre os escombros com a esperança de serem atingidas para deixarem de sofrer, para deixarem de sentir o que lhes vai na alma. Como se pode pedir a uma dessas mulheres que não sinta ódio, que não queira vingar tudo o que vê acontecer à sua volta?
Mas, voltando um pouco atrás, hoje só ouvi falar de Israel e do Irão. Já não vi imagens de Gaza. É como se Gaza tivesse passado à história. Acabou, ou melhor, as atenções passaram para outro lado. Hoje a notícia terrível é a de uma bomba que atingiu um hospital civil em Israel. Medonho, claro que é. Mas, pasme-se com o que disse Netanyahu: “…é um crime de guerra”. Claro que sim, penso eu, mas e os hospitais em Gaza que foram destruídos pelas bombas israelitas? Quantos deles? Em quantos deles vimos os profissionais de saúde a lutarem com os meios que ainda tinham, e que já eram nenhuns, para tirarem os doentes dos destroços daquele inferno? E isto não são crimes de guerra? E aquela gente não é gente como nós? Com o mesmo direito de viver, de ser tratada num hospital, ter medicamentos, ter pão para comer? E falamos nós em direitos humanos? Onde e para quem? Para quem vive bem e confortável e assobia para o lado? Para quem com frases feitas e discursos hipócritas faz crer ao mundo que está a fazer o que pode para medear os conflitos? E vem agora a Presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, em meu nome e de todos os europeus, dizer que Israel tem o direito de se defender. Pois provavelmente sim, mas então e os outros não têm esse direito também? A partir de que altura é que esse direito passou só para alguns? E atenção que não esqueci o ataque medonho do Hamas a civis israelitas. Claro que não esqueci, mas até onde é que irá a vingança? Até onde é que vai esse direito?
Que neste meu desabafo não deixe a ideia de que estou a atacar ou a defender a Palestina, o Irão, Israel, a Ucrânia, a Rússia, os EUA ou seja lá quem for. Não é isso, mas não é isso mesmo. Estou é a gritar contra a hipocrisia, a mentira, o quererem fazer de mim, de ti e de todos, tolos que se deixam manobrar porque é assim que lhes dá jeito. É sentir o desmoronar de todos os valores com que tenho vivido desde sempre. É parar para pensar e já não ser capaz de decidir o que pode ou não estar certo, porque esse conceito deixou e existir.
Quem dera pudesse fechar os olhos e quando os voltasse a abrir fosse a criança que acreditava que havia um país que salvaria todos os outros, se necessário. Que acreditava que o bem venceria sempre o mal, que a verdade suplantaria sempre a mentira. Quem dera, pelo menos, que num meu próximo texto vos pudesse falar de qualquer acontecimento extraordinariamente belo que tivesse acontecido, e do qual todos nos pudéssemos orgulhar e sentir felizes. Quem dera que assim fosse.
Pouco provável, mas quem sabe … Fica a esperança…
Até lá fiquem bem.
Ana Toste

Querida amiga as lágrimas ao ler o teu texto são o reflexo da tristeza que vai no meu coração ♥ ao olhar o mundo em que vivemos .beijinhos...fazes bem
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