Finalizei o meu texto anterior com a promessa de que partilharia convosco as emoções que senti ao longo deste tempo em que tenho sido cuidada. Eu, a cuidadora por natureza, ter de aceitar e deixar que cuidassem de mim. Como me sentiria? Será que a ajuda corresponderia ao que iria necessitar e querer? Estas e outras interrogações ocupavam a minha cabeça no dia em que regressei a casa, com o pé em gesso e sem me equilibrar nas “canadianas” que o meu marido se lembrou que tínhamos guardadas, desde que ele próprio tinha necessitado após uma cirurgia a um joelho.
Devo dizer-vos e para enquadramento, que somos um casal sem filhos, os dois já aposentados, habituados a fazer o que queremos, sem horários definidos e sem grandes obrigações a cumprir. Temos, no entanto, família, nomeadamente sobrinhos e sobrinhos netos muito chegados e com quem sabemos poder contar em caso de necessidade.
Voltando à história, nesse mesmo dia, os sobrinhos movimentaram-se a ritmo acelerado, de modo que, passado pouco tempo após saberem o que tinha acontecido, já tinha em casa um andarilho para me ajudar a caminhar pela casa, uma cadeira adequada para colocar dentro da cabine do duche, uma perneira própria para proteger o pé e a perna da água quando tomasse banho, e ainda uma panela com uma canja maravilhosa que muito me lembrou aquela que era feita pela minha querida mãe. E isto para não mencionar os inúmeros telefonemas destes e de amigos, a perguntar se necessitava de alguma coisa, pois a sua disponibilidade era total.
Como previra, podia efetivamente contar com todos eles. A incógnita colocava-se em relação à pessoa com quem partilharia o dia a dia, e por um período de cuidados que se afigurava longo. Refiro-me naturalmente ao meu marido, o Hélio, já que felizmente raras vezes necessitei dos seus cuidados e sempre que aconteceu foi por pouco tempo.
Logo nos primeiros dias tratou de fazer algumas modificações em casa, de modo a que me sentisse confortável e pudesse inclusivamente continuar a tratar de alguns compromissos que tinha assumido. Embora mantendo as suas rotinas diárias, não deixou que nada me faltasse, e sempre que tinha de sair não o fazia sem se ter assegurado que tinha junto de mim tudo o que poderia necessitar. Este seu cuidado gerou até em algumas ocasiões, situações com muita graça, como, por exemplo, num dia em que tinha um almoço com amigos, e dividido entre a vontade de ir e a preocupação de não me poder deslocar para preparar a minha própria refeição, me deixou no quarto, uma “cooler”, com o almoço, bebidas com gelo (era agosto), e ainda a cafeteira elétrica onde poderia preparar o meu precioso café. Nesse dia, diverti-me a valer, porque me senti como se estivesse a fazer um piquenique no meu próprio quarto. Bastava olhar pela janela, ver o jardim lindíssimo que tenho a sorte de ter do outro lado da rua, pegar na minha cooler e imaginar o piquenique. Muito engraçado, mas a verdade é que o meu marido geriu a situação de uma forma absolutamente fantástica e eu só tive de a entender como tal.
Decorridos até agora 5 meses, e embora a situação já em nada se assemelhe aos 2 primeiros, continua com imensos cuidados, e faz de tudo para que não tenha de me esforçar e prejudicar o pé ainda em recuperação.
Ter percebido e sobretudo aceitado que, por sermos seres únicos, diferentes uns dos outros, temos formas diferentes de agir e de encontrar soluções, foi a chave do sucesso desta fase. Não a encontrei logo nos primeiros dias, mas quando isso aconteceu, percebi que a minha atitude também faria toda a diferença, e o resultado foi o melhor.
Mais uma lição de vida com resultado superado. Ele que mostrou ser um cuidador de excelência. Eu que aprendi a deixar que me cuidassem da forma que melhor sabiam e podiam.
Um especial agradecimento a todos os que fizeram com que me sentisse verdadeiramente importante nas suas vidas e, muito em especial, ao Hélio, meu marido, com quem partilho o meu dia a dia há quase 50 anos, e de quem inicialmente, confesso, duvidei das competências como cuidador. Não mais o farei. Ficou para a vida.
A todos desejo um muito feliz ano de 2025.
Fiquem bem.
Ana Toste

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