Ao remexer numa caixa onde guardo fotografias mais antigas, salta-me à vista uma que já não via há muito tempo. Olho-a e sinto um misto de emoções. Quem lá está? Eu, uma adolescente com uns 11 ou 12 anos, os meus pais, a minha irmã Ilda e o marido, o Pedro, o meu irmão André e a mulher, a Leontina, e os meus sobrinhos, filhos da Ilda e do André. De entre eles, as mais velhas praticamente com a mesma idade que eu, e todos os outros mais novinhos. Somos ao todo 7 crianças. Estamos felizes. Percebe-se pelos sorrisos inocentes e francos que deixamos transparecer.
É natal! À direita na foto, vê-se a lareira da nossa casa, onde sobressai o presépio, elaborado pelas mãos hábeis e meigas da minha querida mãe. Os adultos, de pé à volta da mesa, brindam, provavelmente à saúde de todos e à alegria de estarmos juntos. Em falta o meu irmão Carlos Alberto, que cedo emigrou para o Canadá. Apesar da distância física, ele e a Encarnação, sua mulher, são sempre referidos, nestas ocasiões, pelo meu pai, como que a lembrar-nos que nunca deixarão de ser dos nossos. O lugar deles será sempre deles. Nunca nenhum de nós os poderá ocupar.
Recordo os serões que antecediam o natal, e em que junto da minha mãe, na mesa da cozinha, após o jantar, recortávamos e colávamos as “casinhas” em cartão, que seriam colocadas no presépio, e que eram compradas na única loja da cidade que as vendia. Quase ouço o uivar do vento e a chuva a bater nos vidros das janelas, que muitas vezes nos acompanhavam nessas noites, mas que não me assustavam. Afinal estava com a minha mãe, e o meu pai estaria por perto, quem sabe à janela a olhar os relâmpagos que rasgavam o escuro da noite e que ele tanto gostava de ver. Eram eles o meu porto seguro, nada de mal me poderia acontecer.
Olho de novo a foto. Todos os adultos já partiram, já me deixaram, e, ironia das ironias, o mesmo aconteceu com a mais novinha de todos nós, a Bernardete que, na foto, teria uns 3 ou 4 anos. Partiu cedo demais, deixando um vazio enorme, uma dor incomparável. No entanto, ali, o sorriso dela valia tudo. Era uma criança linda e também estava feliz. Quase ouço o tilintar dos copos e, sobrepondo-se a isso, a gargalhada contagiante do meu pai. A gargalhada mais bonita do mundo. Não havia nem há igual.
Não me lembro se houve presentes, pois não se vêm caixas, laços ou lacinhos. Não me recordo de mais nada a não ser da alegria do momento, de estarmos juntos, de sentir que eu “era deles” e eles “eram meus”. Éramos uma família. Como todas, é verdade, mas esta era a minha. E com a inocência própria das crianças, fazia com que sentisse uma felicidade plena.
Até aos dias de hoje terão passado perto de 60 anos. Uma vida repleta de momentos bons e de outros menos bons. Apesar de tudo, neste percurso, nada nem ninguém me retirará estas memórias maravilhosas. Nada nem ninguém impedirá de me sentir eternamente agradecida por ter vivido momentos tão bonitos e tão repletos de amor. Afinal é isso que conta, é isso que nos ajuda a viver num mundo em que o Homem é capaz das mais hediondas crueldades. Não fosse o amor que me foi legado pelos meus, que já partiram, tudo seria diferente. Eu não seria a mulher, não seria a esposa, a tia, a amiga em que me tornei. Sou fruto dos seus ensinamentos, do seu exemplo, do seu carinho e do seu amor.
Guardo-a de novo, com o coração apertado pela saudade, mas com um agradecimento imenso por poder sentir e partilhar esta memória de um natal feliz.
Desejo a todos umas festas que deixem recordações como as minhas. A felicidade é feita de momentos, às vezes fugazes. Estejam atentos a eles. Sejam felizes.
Ana Toste

😘
ResponderEliminarQue lindo querida Ana que maravilha essas recordações. Beijinhos e Feliz Natal junto do Helio e família.
EliminarAna que lindo adorei! São recordações que ficam para sempre. Pois eu tem alturas que me parece a ouvir como dizes a gargalhada linda do teu Pai. Um grande abraço para ti.
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