É cruel, é duro, é muito difícil de aguentar e que nos sentimos perdidos.
Para mim esse momento chegou há 49 anos, o meu mundo desabou completamente.
Nessa altura era uma jovem ainda, nem sequer vinte anos tinha, estava cheia de projetos, iniciava a faculdade, estava feliz e despreocupada, a vida corria sobre rodas para um rapariga da minha idade, não me faltava nada, tinha um namorado que gostava, tinha amigos, uma família que amava.
Mas isso tudo desabou, quando a minha mãe me disse que tinha cancro, essa doença que tinha um prognóstico de morte, tão pouco falada, eu até nem me lembrava de ter conhecido alguém que a tivesse tido.
Não desatei numa choradeira, logo ali em frente dela, pois não queria de maneira nenhuma que se apercebesse do que me ia na alma, apesar de hoje saber de me ter lido nos meus olhos, o que a boca não dizia, eles traem-me sempre.
Já bastava, para ela, uma mulher jovem, o que devia estar a sentir, não tinha o direito de lhe impor a minha dor, a minha angústia.
Falou-me quem a ia operar, o que iria ser feito, uma mastectomia, mas podia não ser tão radical.
Não sei há quanto tempo ela já sabia, mas a mim só me disse muito próximo da intervenção cirúrgica.
No dia da operação, tive muitos amigos, namorado, família à minha volta, revezavam-se, até as freiras da Ordem me deram carinho, houve até quem me quisesse levar para lanchar e me tirar dali, mas eu não queria, nem conseguia.
Sentei-me sozinha num corredor largo sossegado e o mais na penumbra que encontrei, lembro-me nesse dia fazia um calor infernal.
O Professor Doutor Álvaro Rodrigues, viu-me e disse: “Vá lá ver a mãe, ela já está no quarto”, nesse momento chegou um amigo que andava à minha procura, o Pompeu, que me disse o mesmo que o António, também já me tinha dito, a tua mãe está nas mãos do melhor.
Passados 49 anos, ainda me lembro de todos os pormenores, de ela me dizer: “a primeira coisa que fiz foi pôr a mão para ver se ainda a tinha” e também quando lhe tiraram os pontos, 47, ter ido olhar-se ao espelho e de dizer: ficou uma linda cicatriz direitinha” naquela altura não se fazia reconstrução mamária.
A partir desse momento adotou uma atitude pró-activa, estava agradecida por estar viva.
Essa atitude, fez-se logo sentir desde que saiu do curto internamento, ainda com os pontos, recebeu a irmã mais nova, a minha tia Olívia, que veio passar as suas férias connosco lá em casa, nunca lhe dizendo que tinha feito a operação até esta chegar, para evitar fazê-la mudar de planos.
Ainda com os pontos andaram a passear pela cidade e na rua Sta. Catarina agarrou um ladrão que estava a roubar-lhe a carteira, só depois se lembrou e disse: “ será que rebentei com algum ponto”
Fizemos vários passeios pelo continente, “porque se irmã estava cá de férias era para passear” dizia ela.
Depois fez radioterapia com cobalto e inchou um pouco com certos medicamentos, não fez quimioterapia, isso só mais tarde 10 anos depois quando lhe foi detetado outro cancro, desta vez nos pulmões, não sei se teriam sido metástases ou um novo cancro.
Fernanda Drumond
Muita dedicação , muito amor, muito carinho, dedicam as mães aos filhos e vice-versa. Especialmente as filhas , porque é por elas que a família se estrutura. Os filhos não são, normalmente , quem faz o papel de cuidador, não é a eles que as mães confiam as suas dores mais profundas.
ResponderEliminarTambém deve ser terrível acompanhar os últimos anos de uma mãe e vê-la definhar dia a dia. O meu respeito pelas mulheres é muito grande e cada dia é maior. Elas são fortes, muito mais do que nós, homens.
Só posso dizer obrigado, mana.