Manhã de domingo. Chego à cozinha para preparar o café e apercebo-me que algo de anormal se passa. O chilrear de pássaros é quase ensurdecedor e acompanhado de voos rasantes à copa das árvores de pequeno porte do jardim. Percebo que se tratam de melros-pretos como habitualmente os chamamos, e isso faz-me lembrar de um ninho que foi construído, esta primavera, numa dessas árvores, e que tem sido protegido com todo o carinho, pelo meu marido, de modo a evitar o assalto de algum dos nossos quatro gatos.
Aproximo-me da porta, e vejo vários outros (conto quinze), empoleirados nos fios elétricos que por ali passam, e que é deles a “sinfonia” que me chamou a atenção. Para além disso, vejo que o casal nosso protegido voa incessantemente da árvore do ninho para outra que lhe fica perto, e que enquanto o faz, emite um chilreado ainda diferente de todos os outros.
Esquecendo-me do café e do pequeno almoço, deixo-me ficar a assistir, fascinada, ao que percebo ser o incentivo dos pais que, com o seu chilrear e voos curtos, sempre acompanhados pela algazarra dos outros que se mantêm nos fios, tentam que os filhotes (que sabemos serem três), os imitem e saiam da segurança do ninho, para que se cumpra o percurso natural da vida.
Vejo as suas cabecitas a espreitarem e de seguida a desaparecerem, como que a dizerem, temos medo, não queremos sair…Vejo-as uma e outra vez, até que finalmente convencidos que são capazes, saem do ninho, caindo imediatamente por entre os ramos da árvore. Um deles cai em equilíbrio num ramo mais abaixo do seu, enquanto os outros dois aterram no chão e, atabalhoadamente, tentam esconder-se do que não conhecem, mas que com toda a certeza será menos seguro do que o aconchego que tiveram até então.
Resistindo à tentação de os ir socorrer, decido deixar a natureza agir por si própria, pois se o fizer, irei interferir em algo que não me compete e para o qual não fui chamada.
Ao piar aflito dos filhotes, respondem os pais sempre com voos rasantes ao sítio onde se encontram os seus bebés e, de repente, o cenário muda: Um a um, os pássaros que estão nos fios, depois de alguns acordes diferentes, vão voando para longe, evidenciando que o que se seguir já não será da sua responsabilidade, pois a sua missão, ali, está cumprida.
Durante algum tempo ainda ouço o chilrear dos pais e dos filhotes, mas a pouco e pouco tudo se vai tornando mais longínquo. Gosto de pensar que terão voado para longe, imbuídos da confiança própria dos mais jovens.
A natureza no seu melhor e a dar-me uma grande lição de vida! Ali não existiu o peso dos média, a preocupação do social ou do politicamente correto. Só a evidência do sentido da responsabilidade familiar e comunitária, num momento crucial da vida dos que serão o futuro.
Imagino o aperto no peito dos progenitores ao obrigaram os filhotes a saírem do ninho. Imagino a dor se algum deles não concretizar o seu voo. Imagino a angústia com que os obrigarão a seguir a sua própria vida…
Não me canso de visualizar aquela manhã. Não me canso de agradecer pela oportunidade de a ter vivido.
Ana Toste
Espantosa partilha! Obrigada.
ResponderEliminarPor vezes complicasse o que é simples e natural…obrigada pela maravilhosa descrição e partilha ❤️
ResponderEliminar