Avançar para o conteúdo principal

RESULTADO DUMA QUEDA... PARAGEM FORÇADA E OBRIGADA

A FORÇA DE ABRAÇO


A “Maria” é agora minha colega de trabalho, mas conheço-a desde há muitos anos, era ela ainda muito jovem. Entretanto, casou e teve 2 filhos, uma menina de 10 anos e um rapazinho mais novo. Refere-se à filha, como “a minha princesa”, e deixa-me de coração cheio quando me fala deles e da sua felicidade.

A família é a prioridade da “Maria”, e ter mais tempo para os filhos fez com que tenha inclusivamente já mudado de emprego. “Eles crescem muito depressa e não terei outro tempo para isso”, diz-me repetidas vezes.

Sensivelmente há 3 semanas, acontece uma desgraça e a ”princesa da Maria” morre subitamente, junto dos pais e do irmão, quando nadava na praia, à vista de todos.

Não interessam aqui as causas do sucedido, embora se pense ainda que poderão ter sido do foro cardíaco, já que existe na família história de casos idênticos. 

Enchi-me de coragem e fui fazer-lhes companhia na manhã do funeral. De pé, junto ao féretro, cumprimentavam todos os que numa fila interminável lhes queriam mostrar a sua solidariedade. “Estão assim há horas, não sei como aguentam” disse-me alguém sentado perto de mim. “Estão dopados”, disse outro. É natural que estivessem, mas o que é facto é que a todos agradeciam, a todos diziam qualquer coisa acerca da “sua princesa”, como que a quererem que todos percebêssemos o quanto era especial a sua menina.

Quando ainda ninguém esperava, a “Maria” regressa ao serviço. Quase nem acredito quando me dizem, mas é mesmo verdade. Vou ao seu encontro, e quando me vê, levanta-se e sem pronunciarmos qualquer palavra, abraçamo-nos. Um abraço tão intenso que lhe sinto o coração, um coração destroçado, mas que teima em bater com força, “até porque tenho o meu filhinho para criar”, diz-me baixinho.

Quando se afasta, olha-me de frente, com os olhos marejados de lágrimas e diz  “D. Ana, no dia em nasceu a minha filha, Deus fez de mim e do meu marido as pessoas mais felizes do mundo. Porque é que agora a tirou para nos fazer os seres mais infelizes da terra?”. Não sei “Maria”. Não tenho resposta para essa pergunta e duvido que alguém a tenha. 

Todos os dias a procuro e lhe ofereço o meu humilde abraço. Não digo nada, mas ela já me disse, ”Obrigada por este abraço. Ajuda-me a enfrentar o mundo lá fora, porque tenho de ser forte e ajudar o meu marido, e até os meus pais, que agora não dizem outra coisa que não seja que não querem mais viver, e tenho de ser eu a tentar dar alguma normalidade à nossa vida.”

A “Maria” preocupa-me muito, porque não sei até que ponto aguentará este papel de esposa, mãe, filha, irmã, e sobretudo de mulher que é uma cuidadora nata e de quem todos esperam amparo. 

A “Maria”, aquela mulher cujo sorriso enchia uma sala, já não sorri, e o seu olhar triste acompanha-me até muito depois de nos cruzarmos. 

Hoje e sempre a “Maria” poderá contar com o meu abraço. É só o que lhe posso oferecer, o meu humilde abraço.

A.Toste

Comentários

Mensagens populares deste blogue

QUANDO PERCEBES QUE NÃO HÁ VOLTA A DAR

 “A Sra. é tal e qual a minha avozinha. Ela não sai de casa sem os seus adereços. É uma querida, mas muito vaidosa”. É com esta frase que uma jovem técnica me presenteia, enquanto aguarda que eu conclua a tarefa desesperada de tirar os brincos e o colar, cujo fecho teima em não abrir. Eu, a paciente que irá fazer uma radiografia dentária. Ela, a técnica que a fará. Eu, uma mulher madura de 66 anos, convencida, até àquela hora, que em nada os aparentava. Ela uma jovem radiante nos seus 20 e poucos anos de idade. Avozinha? Eu, avozinha e mais ainda, vaidosa…   Reparem que não me comparou à sua avó. Fê-lo em relação à sua avozinha, o que para mim corresponde a bisavó.  Não faço qualquer comentário, mas lembro-me imediatamente do que brinquei com a minha amiga Fernanda, mais velha que eu 3 anos, quando me contou que, após completar os 65 anos de idade, tinha ido comprar o passe mensal para o comboio, e ao querer entregar o cartão de cidadão ao funcionário que a atendia, para que fizesse pr

MERCEDES?

Mercedes? No café em Lisboa, vejo uma senhora já com a sua idade que provavelmente se chama Mercedes, a tratar das cartas que lhe chegaram a casa ou não.  Ao mesmo tempo fuma um cigarro que colocou delicadamente no cinzeiro enquanto organiza as cartas, quiçá mais contas para pagar, outro corte na reforma. Talvez sejam as cartas de um neto emigrado a mandar beijinhos com carinho para não usar o WhatsApp. Acabou de arrumá-las e voltou a pegar no seu cigarro, marca Rothmans. Fuma-o e pensa. Será que pensa nas cartas? No calor que está? No tabaco que está caro? Ou estará a fazer uma retrospetiva da sua vida? Que Lisboa não é a mesma que conheceu; A pensar no seu primeiro amor; No sua avó, no seu avô;  no primeiro gira discos que comprou e que pagou 40 contos? no seu primeiro cigarro? Dá um gole na sua água e acende outro cigarro Rothmans. Estou numa mesa a menos de 3 metros desta senhora que não passa de uma suposição minha que se chama Mercedes. Será feliz? Devo admitir que tem muita clas

EU E OS MEUS TÉNIS PARA QUASE TODAS AS OCASIÕES

  Preciso de uns ténis para todas as ocasiões, ou quase todas, é um pensamento que me ocorre, especialmente quando, por não os ter, tenho de usar sapatos de salto, que me fazem sofrer horrores nas ocasiões que a isso obrigam. Tenho ténis de várias formas e cores, mas faltam-me os tais. Aqueles que vês nas páginas de publicidade das revistas de moda, e que pensas que, um dia, se puderes, os vais comprar. É então que na minha última viagem a Lisboa, passo por uma sapataria, e vejo em destaque, exatamente os ténis com que venho a sonhar desde há muito. Paro de imediato, e procuro ler o preço que está num talão muito pequenino, como que meio envergonhado, junto do artigo pelo qual já me apaixonei. Por este preço nem pensar, só se estivesse doida, penso eu, e sigo em frente, apesar de a algum custo. Nos dias seguintes e porque o trajeto me faz passar diariamente pela mesma sapataria, vou vendo que eles continuam no mesmo sítio. Lindos de morrer… penso eu todos os dias. Mas, por aquele preço