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MERCEDES?

A URGÊNCIA VS A PRIORIDADE

Passados quinze dias de ter sido escolhida para a nova função na outra empresa, recebo uma chamada telefónica em casa, sim, ainda não tínhamos telemóveis, questionando sobre a minha data de início. Senti-me sem chão. Senti que entre eles (empresa actual e futura) não tinha havido acordo para a minha transferência. Era preciso gerir o assunto com pinças e eu começava a ver que tinha possivelmente dado um passo do qual me iria arrepender para o resto da minha existência.

Gostaria de aqui lembrar que à época, ao contrário de hoje, os empregos eram para a vida. Quem tivesse uma alta rotatividade de empregos significava que seria um péssimo colaborador. Seria alguém que não parava em lado nenhum. Seria uma pessoa irresponsável. Inconstante. Alguém que não encarava o futuro, como ele devia ser encarado.

Voltando então a mim e à minha situação, escusado será dizer que nessa noite, praticamente, não preguei olho.

No dia seguinte, cheguei à  empresa e a primeira coisa que fiz, foi pedir uma reunião com o meu director geral. Quem era eu? Como me atrevia a ter uma audácia dessas? Ninguém falava directamente com o director geral a não ser as hierarquias.

Dia após dia, aí estava eu a aguardar que me viessem chamar para ter a dita reunião. Os dias iam passando e nada. Via-o no corredor. Olhava para ele e ele para mim e nada. Eu continuo a insistir no meu pedido de audiência.

Passou-se um mês e um dia e finalmente a minha hierarquia informa-me que me devo dirigir ao gabinete do diretor geral. 

Aí vou eu. Bato à porta. Aguardo permissão para entrar. Finalmente estou dentro do célebre gabinete do meu director geral.

Lembro-me de sentir as pernas a tremer. No que toca às minhas mãos, nem é bom falar. Tremiam e suavam, como nunca. Quanto à voz, até parecia que não era eu que estava a falar. 

É-me perguntado o que é que eu pretendia e eu, fruto da inexperiência e imaturidade, começo por agradecer ter sido recebida e, logo de imediato, digo que estava há precisamente 31 dias a aguardar esta oportunidade, dado que tinha um assunto muito urgente para comunicar.

Lembro-me muito bem da expressão facial do meu director geral, seguida das seguintes palavras:

- Assunto urgente? Provavelmente ainda desconhece, mas, urgências, só mesmo no hospital e isto aqui é uma empresa.

Caiu-me tudo. Ruborizei, senti-me a transpirar e não sabia mesmo o que dizer, mas não precisei de aguardar muito mais para ouvir o veredicto:

- Aqui, o máximo que pode existir é prioridade e a sua não é definitivamente a minha prioridade.

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