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MERCEDES?

A LIÇÃO DAS FAVAS COM CHOURIÇO


Vivi até aos 6 anos e meio em casa dos meus avós. A minha avó, enquanto matriarca da família era uma pessoa muito exigente e, se assim posso dizer, bastante dura. A vida para ela não tinha sido nada fácil, nem bondosa e ela não queria que aqueles horríveis tempos voltassem. Foi sempre muitíssimo rigorosa com normas. Hoje passadas 6 décadas, olho para trás, de sorriso nos lábios e a palavra de gratidão na minha boca por tão importantes exemplos de vida que me passou, mas, naquela altura, sofri “horrores”.
Um dia, a ementa preparada pela minha avó, para o nosso almoço era favas com chouriço. Olhei para o meu prato e a primeira coisa que disse foi:
- Não gosto disto!
A minha avó, de imediato, respondeu:
- Se não quiseres comer, não comas.
Fiquei imensamente feliz e ao mesmo tempo estranhei tanta facilidade… A minha avó era tão implacável e deixava que eu não comesse. Esperei um pouco e vi que ela não se tinha levantado da mesa para me ir fazer outra coisa que eu gostasse de comer. Esperei mais um pouco e perguntei, o que é que eu iria almoçar e ela respondeu:
- Nada! Podes pedir ao avô para sair da mesa. Assim fiz. Fiquei com imensa vontade de comer mas favas não. Tinha ouvido um amiguinho dizer que as favas matavam os cães.
Ao lanche volto para a mesa e surpresa das surpresas, o meu lanche era o prato das favas. Lembro-me de desatar a chorar mas, a minha avó nada me disse e continuava a tomar a sua cevada e a comer o seu pão com manteiga. Parecia estar a deliciar-se.
Ao jantar, as favas voltaram. Foi muito duro. Eles estavam a comer costeletas com batatas fritas (das boas, não de pacote) e um ovo estrelado e, no meu prato, continuavam as favas com chouriço e ainda por cima geladas. Voltei a não comer.
De manhã ao pequeno almoço, a cena repetiu-se e aí sim, comi as favas com chouriço e bem rápido. Estavam frias mas a vontade de comer já era imensa. O que posso dizer é que passei a gostar  muito de favas com chouriço.
Passados uns dias,  a minha avó referindo-se à situação que tinha vivido naquele famigerado dia, disse-me que a vida muitas vezes põe-nos “à frente” coisas das quais não gostamos. “Quando assim for, o melhor que tens a fazer é “comer” de imediato,  para o sabor amargo ir embora rapidamente”, disse-me a minha avó. Claro está que foi mais um ensinamento que me ficou para a vida. Quando tenho que fazer algo que não gosto, ao invés de protelar, como tantas vezes vejo fazer, deito mãos à obra e faço o mais rápido que posso. Acreditem que sinto um enorme alívio.

Lição de vida: Quando mais depressa fizer aquilo que menos gosto, mais depressa elimino o sofrimento que tal situação me provoca.

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